quinta-feira, 19 de maio de 2016

Texto da Martha Medeiros


Eu, Modo de Usar:
Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela manhã com ótimo humor mas ... permita que eu escove os dentes primeiro. Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza. Tenha vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo, cultivando este tipo de herança de seus pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude. Respeite meu choro, me deixe sózinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada. (Então fique comigo quando eu chorar, combinado?). Seja menos altruísta! Não se vista tão bem... gosto de camisa para fora da calça... Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: boba, rouca, boca ... Goste de música e de sexo. Goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua familia... isso a gente vê depois ... se calhar ... Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte os seus segredos ... me faça massagem nas costas. Não fume, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar ... experimente me amar!

domingo, 15 de maio de 2016

O que vi no insta

Gosto de ver o que antigos e amigos recentes tem feito de interessante, mas nunca havia usado instagram porque é difícil arrumar tempo para administrar tantas redes sociais. Resolvi experimentar, tardiamente e com certa resistência. Vi amigos antigos e amigos novos, novos planos, filhos, momentos de lazer, criações artísticas e festas. Mas também, sorrisos vazios, poses, caras e bocas, uma super valorização da nossa vida cotidiana ou até uma tentativa desesperada de mostrar que se está feliz. Participei ativamente desse mundo de compartilhamento de vidas desde a época do surgimento dos blogs (e flogs), que praticamente eram as nossas redes sociais, muito antes do orkut) e o que percebo é que os sorrisos estão cada vez mais vazios. Hoje, existe até uma série de expressões faciais padrões nas fotos, que todo mundo faz... que geralmente nada tem a ver com o momento da fotografia. Essa parte do instagram me lembrou um desses compilados de blogueiros que foi pra mim exemplo perfeito de algo que tenho reparado desde o meu primeiro contato com esse mundo virtual, que é a maneira como a encenação escancarada foi se naturalizando. O compilado chamava "20 fotos pré-casório que você precisa tirar". Depois de ver o compilado, por curiosidade, fiquei pensando: Que mundo esse em que "parecer feliz" torna-se cada vez amis importante que ser feliz de verdade? Não lembro das 20 fotos do compilado, mas me lembro de que uma delas TRAZIA UMA LEGENDA mais ou menos assim: Escreva uma carta romântica para o seu marido antes da cerimônia. Isso dá uma ótima foto! O que nos faz pensar sobre o fato de que a pessoa precisa fotografar que ela está escrevendo uma carta romântica para o noivo ou, o que é ainda pior, a pessoa escreve a carta SÓ PARA FOTOGRAFAR! Como isso pode se tornar natural?
Não sei se o público que tenta transparecer estar feliz, também experimenta momentos de felicidade verdadeira e simplesmente separa a encenação da realidade. Mas me parece que a beleza da vida está na espontaneidade e na imprevisibildiade. Provavelmente os melhores de nossas vidas não serão registrados em fotos, pois estaremos vivenciando-os e provavelmente as pessoas ao redor também. Sei que provavelmente os melhores momentos da minha vida não tiveram e não terão datas previstas ou planejadas, pois a felicidade não é algo que se possa agendar. Não podemos encontrá-la simplesmente procurando por ela, o que podemos fazer é abrir espaço em nossas vidas para que momentos felizes nos encontrem. Esses momentos de felicidade, os verdadeiros, nos encontram, passam... e não há necessidade de contá-los aos quatros cantos. Mesmo porque ninguém entenderia o que sentimos. Felicidade não é algo que possa ser traduzido em palavras. Todo mundo sabe disso, todo mundo já experimentou momentos felizes... Então para que tanta encenação? Até acho que não há nada de errado em sermos atores na vida. O que é prejudicial, a nós mesmos, é quando começamos a acreditar nas mentiras que nós mesmos inventamos. É quando começamos acreditar que somos a imagem que criamos diante dos outros, imagem que foi cristalizando em nós com o passar dos anos.
Com o tempo, aparentar estar feliz e em paz passa a ser mais importante do que, de fato, estar. Com o tempo, o prazer de aparentar ser algo que não somos toma o lugar da satisfação de ocupar o meu lugar real no mundo, um lugar que não é nenhum cenário perfeito, muito menos confortável, é simplesmente o meu lugar. Mas por que essa fuga de quem eu sou?
Porque ocupar o nosso lugar no mundo não é o bastante? Será que existe algo de legítimo nessa busca pela satisfação a qual se finge vivenciar? Se há, em que momento e por que desacreditamos de alcançá-la em nossa própria vida a ponto de tentar recriá-la em um mundo falso?
Será que é por que, quando crianças, tínhamos uma ideia de um mundo justo, perfeito e equilibrado e fomos obrigados a lidar com a frustração de uma realidade imperfeita? Será que não encaramos, de fato, as desilusões, abandonos, desapontamentos e as dores que encontramos pelo caminho em nossa vida e preferimos, assim, deixá-los de lado para nos esconder atrás da imagem da vida gostaríamos de ter, recriando um personagem sempre novo, mesmo que vazio?
Quando nos afastamos de nós mesmos para não vivenciar as nossas dores e fraquezas não somente deixamos de crescer com elas como perdemos também o contato com as nossas virtudes. E aí, maior é a nossa necessidade de também recriá-las em um mundo falso. Para quem vive momentos de felicidade e mesmo assim participa desse mundo de encenações, vale a lembrança de cuidar para que o ator não acabe se confundindo com o personagem.